Cantinho da Helô

Wednesday, May 24, 2006

Carlota


Carlota, gatinha cambota.
Brinca e dá cambalhota.
Felpuda, é uma bolota.
Gosta de coçar as unhas na bota.

Carlota, gata espertinha.
Gosta de comer muita sardinha.
Também gosta de iogurte,
Biscoito palito e gelatina.

De dia, ama dormir.
De noite, faz é brincar.
Tirando sono dos donos,
Passa a madrugada a aprontar.

E quando amanhece e o galo canta,
Vai Carlota dormir como criança.

Monday, May 08, 2006

Um Óculos Furtado


Numa pequena vila francesa, o menino tinha um gato. Um bichano rajado e cinzento. Não era nem gordo nem magro. Era quieto, como todo gato, e usava óculos. Óculos? Sim, óculos. Pequenos e escuros, próprios para seu tamanho.
O avô do menino dizia que os óculos nunca deveriam ser retirados. Não que o gato fosse cego, pois não era o caso, mas o gato tinha algo de especial. Ele podia ver o mundo em suas cores reais, cores de amor, de inveja e de vilania.
Todos na pequena cidade morriam de medo da história. Não que acreditassem nela, mas na dúvida, nunca arriscavam, e espalhavam aos quatro cantos que os óculos nunca deveriam ser retirados. Na verdade, o medo de todos era que suas cores ficassem evidentes, e com isso, a aura pessoal fosse revelada.
Um dia, um forasteiro foi até a cidade e, curioso, retirou o acessório do animal. A vila se explodiu em cores. Vermelho para os apaixonados e bondosos, amarelo para os invejosos, e anil para os mal intencionados. Uma confusão!
Mas o forasteiro, vilão do mais puro anil, não parou por aí. Tão impressionado ficou que quis comprar o bichano e levá-lo para a cidade. O menino e o avô, vermelhos e ternos, recusaram. O gato estava na família há gerações.
Contudo, a maioria da cidade, um bando de amarelentos, queria por que queira que o gato fosse embora. O menino correu chorando para casa. O pobre ancião teve que explicar a todos que a culpa não era do bicho, mas do mau pensamento das pessoas.
Para evitar maiores conflitos, o velhinho tomou uma rápida decisão. Levou o gato para casa, providenciou uns passaportes e fugiu com o neto, as economias de toda uma vida, e o gato para o Brasil.
Isso à quase dez anos. Ontem à noite ele me contou essa história, num português cheio de sotaque. O velhinho francês se mudou para a casa de vila ao meu lado. O menino já é um adolescente e o gato é um idoso bonachão.
Bem que notei algo de estranho naquele animal! Não que eu não simpatize com o bicho. Longe de mim, pois já lhe dei até alguns afagos na cabeça. Mas, um gato de óculos?
Até ouvir a história, pensei que fosse brincadeira de um velho excêntrico, que enfeitava seu bichano como algumas senhoras fazem com seus poodles.
Mas, Deus me livre que esses óculos sumam!!!

Thursday, May 04, 2006

Carniça

Ter medo de você foi apenas uma conseqüência.
Depois de anos de ausência e solidão, o medo passa e vira desprezo, vazio, falta de amor.
Tenho dificuldade de amar, porque não amei você.
Não tive oportunidade de te abraçar e dizer coisas bonitas. De ostentar meu orgulho, porque nunca obtive retorno.
Não tive carinho, nem recebi parabéns pelo meu esforço ao piano – instrumento que aprecio ao ver os outros tocando, mas que evolui ao meu toque – nem por pagar mico no palco, com meus parcos pax des deux.
Essa falta de apoio e companheirismo me matou.
Todas as crianças eram melhores, exceto a sua.
Todas as crianças também era mais felizes.
E elas sabiam disso, e com toda sua crueldade crua e sem remorsos, descontavam em mim.
Caçoavam de mim. Faziam troças.
Todos querem um pedaço da carniça podre e abandonada.
Mas elas tinham a quem recorrer, e eu não.
Assuntos assim, você evitava, com seus shhhhhhhhh’s e silêncios durante o jornal nacional.
A vergonha era eu.
E isso me afastou.
Nos afastou.
Mas você não percebeu. Ainda não percebe.
Trinta anos se passam, e pouca coisa muda em você.
Quantos anos mais vamos precisar?

High Learning

Não, eu não te bati!
Minha mão simplesmente deslizou para o teu rosto pueril, marcando com cinco rubros dedos tua face branca.
Não, eu não te bati!
Meu cinto apenas ricocheteou em tuas magras pernas, azulando de leve suas parcas coxas.
Não, eu não te bati!
Apesar da vontade, e de desejar-te homem, para que pudesselevantar-te pela gola da blusa e rolar aos socos contigo pelo chão.
Não, não digas que te bati!
Foi apenas um soco, apenas um, no topo de tua sólida cabeça, para completar o ir e vir de meu pulso em suas maçãs juvenís.

Veja tua mãe.
Está roxa e ensangüentada, mordida e arranhada.
Mas, como? Como dizer que fui eu?
Eu? Nunca!
Nunca ergui meus braços para violência sequer.
O roxo, só pode ter sido descuido. Os móveis da casa são perigosos.
A mordida, só pode ter sido o cachorro.
O arranhão? Com certeza foi esse teu gato imundo, minha filha.
E o sangue? Bom, essa mulher deve ter batido em si mesma. Tudo para jogar você contra mim.

Porque eu, eu nunca!
Nunca te bati!
Apesar de tuas lembranças...

Wednesday, May 03, 2006

Menina Louca

A menina louca nasceu assim:
rodeada por insanos numa planície sem fim.
Já nasceu adulta, menina e mulher,
muito ingênua e muito culta, daquelas que sabe o que quer.

Já chegou logo dizendo:
“Não tem cabresto que me caiba.
É bom saberem logo, que já conheço a maldade,
a desordem, e a humilhação,
e que nem em mil anos, vão conseguir o meu perdão”.

Monsier M.


Malabarr era um mago da cozinha. Em seu restaurante, sempre lotado, maravilhas coloridas eram preparadas em grande escala. Seu tempero era conhecido nos cinco cantos de seu país, e já chegava a outros condados. Ninguém acreditava no paladar soberbo de tão doces delícias.

Calamares flambados, lulas avinagradas, vieiras agridoces e lagostas ao dendê eram uma de suas especialidades. O segredo do sabor era de grande mistério. A identidade de seu chef, também.

Na verdade, Malabarr havia sido um grande químico e cientista, que durante muito anos, pesquisou e pesquisou à exaustão a descoberta de um famoso antídoto para o Mal de Lebrexau, uma terrível virose que afetava a terra de Santucer. Após dedicar 35 anos de sua juventude à erradicação da doença, Malabarr entregou os pontos quando sua esposa e filhos foram acometidos pelo mal e vieram a falecer. O golpe de misericórdia aconteceu quando Arribanor, seu pupilo, roubou seus estudos, e sozinho, conseguiu o milagroso soro, desbancando o legado de Cientista–Mor autorgado à Malabarr pelo Gran-Embaixador de Santucer.

Desacreditado, Malabarr cruzou o continente, e após 8 mil Km, chegou ao distrito de Alcora, uma vila margeada por um mar cor de turquesa. Com suas economias, comprou um modesto casebre de dois andares, aonde residia e trabalhava. Optou mudar radicalmente de profissão. Pensou: o que fazer com meus conhecimentos tão apurados? A opção pela gastronomia se deu pelo fato de que o local tinha uma rica fauna marinha e grandes florestas aonde podia coletar os temperos silvestres, que muitos desconhecinham. Por conhecer as propriedades estruturais de qualquer elemento, foi fácil para Malabarr desenvolver iguarias únicas, o que levou seu pequeno restaurante costeiro a virar uma sensação.

Entretanto, a figura de Malabarr se tornou uma incógnita. Para não se expor, o mago criou o codinome de Monsier M. e usava uma máscara de pássaro diariamente, para que ninguém reconhecesse sua face. Depois da vergonha e desgostos sofridos em Santucer, Malabarr não queria correr o risco de ser reconhecido por ninguém, principalmente depois que seu negócio começou a gerar frutos e trazer convidados de seu estado natal. Mitos acolhiam a imagem de Malabarr. Muitos comentavam que ele não exibia sua face pq era deformado. Outros, porque se tratava de um grande fugitivo. Boatos e mais boatos surgiam e eram reforçados a cada dia.

*************************************

Numa ocasião, Malabarr, para seu espanto, chegou a receber e servivir seu desafeto Arribanor, que veio a Alcora atrás dos quitutes do conhecido Monsier M. Desconcertado, porém comedido, o mago manteve a calma e fez a vez de anfitrião com afinco. No entanto, ao fechar o estabelecimento e recolher-se ao quarto de dormir, matutou sobre a possibilidade de uma pequena vingança, pois agora tinha a melhor das oportunidades.
Naquela noite, não conseguiu dormir. Foi para o pequeno deque da enseada e fumou um cachimbo aromático. Quando retornou à casa, já eram seis horas da manhã e sua cabeça estava cheia de idéias. Correu para a cozinha e resolveu elaborar o melhor quitute de todos os tempos, para o seu mais precioso cliente.

A decisão estava tomada. Iria encantar Arribanor. Iria deixa-lo tão vulnerável aos seus caprichos de uma forma que ninguém, nem o próprio, descobriria. Já tinha as ervas certas e a fórmula adequada. O jeito era adaptá-la a um aprazível consumo. Resolveu-se por torná-la doce, posto que o açúcar disfarçava até o maior dos gostos féis. Juntou farinha, leite de coco, ovos, açúcar, ervas azuis da colina de Valmon, cacau fresco e salmoras de tumg-tom. Voilá! Não ousou experimentá-lo, mas já sabia estar celestial. Enfeitou o prato com capricho e o guardou muito bem guardado para àquela tarde.

Abriu a casa, como de costume. O expediente correu normal. Por volta das 5 da tarde, chegou Arribanor.

Sentou-se numa mesa na varanda, que era mais fresco e podia-se olhar o mar. Comeu de entrada sopa de vôngoles, depois uma salada de pitus cor-de-rosa, com acelga, aipo, pimentão amarelo e creme de ricota. Deliciou-se com uma lula flambada em vinagrete com endívias frescas. Tomou do melhor vinho da casa. Por fim, a sobremesa. O chef antecipou-se ao cliente e trouxe o acepipe. “Cortesia da casa, para um cliente tão fiel” – disse Malabarr.

Arribanor sorriu. Nunca recusaria um doce, quanto mais um vindo de Monsier M. Pegou a colher e já na primeira garfada sentiu a primazia do sabor. Comeu-o em dois tempos, e refestelou-se do paladar.

Parabenizou o chef, que o convidou para uma volta pela orla. Já era noite. Em Alcora, o dia dormia cedo e por volta das seis hora, as estrelas mais lindas podiam ser vislumbradas.
Malabarr estava ansioso. Mas tentou manter a calma. Não falaria nada até estarem bem afastados de qualquer presença humana. Pelo caminho, Arribanor só falava nas delícias da cidade, paisagens, senhoritas e a culinária de Monsier.

Quando já chegavam perto das pedras no fim da praia da Lua Clara, Malabarr parou. Pediu que o ex-pupilo parasse, e este obedeceu. Daí por diante, foi uma sucessão de desabafos, tão grandes, mas tão grandes, que não caberiam neste conto.

Falou sobre traição, frustação, decepção e fuga. Sobre os 8 mil quilômetros de estrada e da mais quilométrica agonia que sentia. Dicertou sobre Alcora e sua singularidade bucólica, sobre solidão e libertação. Até que falou na troca.

Sim, Malabarr decidiu trocar de lugar com Arribanor. Adorava sua vida de chefe, mas nada se comparava a sua vida de Mago. E como ninguém nunca tinha visto seu rosto, seria perfeito.
Trocaram as roupas, Arribanor colocou a máscara. Malabarr, que já tinha tudo planejado, lorgou seus bens mais preciosos embaixo da pontezinha que saía da cidade.

Instruiu o enfeitçado de que agora ele seria Monsier M., homem sem passado, chef do melhor dentre os melhores restarantes de todo o continente. Só tiraria a máscara quando não houvesse ninguém. Não lembraria mais de seu passado além da vida em Alcora.

E quando Arribanor, fantasiado, se foi, Malabarr pegou a estradinha. Tinha toda uma vida para recuperar, e oito mil km para retornar.