Cantinho da Helô

Monday, May 08, 2006

Um Óculos Furtado


Numa pequena vila francesa, o menino tinha um gato. Um bichano rajado e cinzento. Não era nem gordo nem magro. Era quieto, como todo gato, e usava óculos. Óculos? Sim, óculos. Pequenos e escuros, próprios para seu tamanho.
O avô do menino dizia que os óculos nunca deveriam ser retirados. Não que o gato fosse cego, pois não era o caso, mas o gato tinha algo de especial. Ele podia ver o mundo em suas cores reais, cores de amor, de inveja e de vilania.
Todos na pequena cidade morriam de medo da história. Não que acreditassem nela, mas na dúvida, nunca arriscavam, e espalhavam aos quatro cantos que os óculos nunca deveriam ser retirados. Na verdade, o medo de todos era que suas cores ficassem evidentes, e com isso, a aura pessoal fosse revelada.
Um dia, um forasteiro foi até a cidade e, curioso, retirou o acessório do animal. A vila se explodiu em cores. Vermelho para os apaixonados e bondosos, amarelo para os invejosos, e anil para os mal intencionados. Uma confusão!
Mas o forasteiro, vilão do mais puro anil, não parou por aí. Tão impressionado ficou que quis comprar o bichano e levá-lo para a cidade. O menino e o avô, vermelhos e ternos, recusaram. O gato estava na família há gerações.
Contudo, a maioria da cidade, um bando de amarelentos, queria por que queira que o gato fosse embora. O menino correu chorando para casa. O pobre ancião teve que explicar a todos que a culpa não era do bicho, mas do mau pensamento das pessoas.
Para evitar maiores conflitos, o velhinho tomou uma rápida decisão. Levou o gato para casa, providenciou uns passaportes e fugiu com o neto, as economias de toda uma vida, e o gato para o Brasil.
Isso à quase dez anos. Ontem à noite ele me contou essa história, num português cheio de sotaque. O velhinho francês se mudou para a casa de vila ao meu lado. O menino já é um adolescente e o gato é um idoso bonachão.
Bem que notei algo de estranho naquele animal! Não que eu não simpatize com o bicho. Longe de mim, pois já lhe dei até alguns afagos na cabeça. Mas, um gato de óculos?
Até ouvir a história, pensei que fosse brincadeira de um velho excêntrico, que enfeitava seu bichano como algumas senhoras fazem com seus poodles.
Mas, Deus me livre que esses óculos sumam!!!

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